Aproveito o título do livro de Sérgio Buarque de Holanda de 1957, para falar não só do imperdível menu autoral de mesmo nome “Caminhos & Fronteiras” que o chef Jefferson Rueda criou para o Attimo restaurante; mas também para debater um pouco sobre os próprios “Caminhos” e “Fronteiras” dos profissionais de cozinha.
Ninguém sai chef de cozinha da faculdade de gastronomia. As técnicas aprendidas estarão todas à mão, prontas para serem utilizadas; mas esse, embora para alguns pareça o fim, é, na verdade, o início do Caminho. Só a faculdade da vida é que premia poucos com o título de chef.
Fatalmente haverão tropeços, quedas, machucados, encruzilhadas, estradinhas tortuosas, empoeiradas, pedrinhas, pedradas, muralhas, caldos se entornarão, a brancura da cozinha – por vezes – atingirá a mente, facas cortarão fundo e o frio aço inox poderá contaminar o espírito. Muitos ficarão pela estrada, coisas da vida! Poucos cruzarão essa primeira fronteira.
O caminho é longo, é a jornada da vida, às vezes árida, às vezes farta; sempre humana, suscetível aos erros e aos acertos. Não há dó, nem piedade, só a estrada que segue.
A essas alturas já teremos “uns chefs”, mas há ainda outras fronteiras para serem ultrapassadas; não as que fazem “uns” mas as que fazem “os” chefs.
E “os” chefs serão bem poucos, apenas aqueles que durante o caminho entenderem que transcendem a sua cozinha, que tem uma função social, humana, cultural; que tem um compromisso que extrapola pontos de cocção, cortes perfeitos, apresentação impecável.
“Os” chefs mergulham em livros, desvendam “Caminhos & Fronteiras”, redescobrem e recontam as suas e as nossas histórias. Foi o que Jefferson Rueda com o auxílio da pesquisadora Tania Biazioli, fez a partir do livro de Sérgio Buarque de Holanda. Reconstituiu com seus inspirados e sublimes pratos o alimento daqueles bandeirantes que se embrenharam no sertão, o encontro de portugueses e índios, a história da cozinha paulista.
Participei dessa primeira expedição: Abri os Caminhos, Parti, Avancei pelo Sertão, por fim Baixei Acampamento; assim como todos que provarem o menu, depois de toda essa jornada baixarão. Tomei o meu café coado e aguardo, ansioso, pela Próxima Viagem.
MENU – CAMINHOS E FRONTEIRAS
ABRINDO OS CAMINHOS
Surubim dessalgado (bolinho)
Farinha de milho e carne de sol (bolinho)
Codorna – “ave das plantações” (caldo e linguiça)
pimenta (no tubinho)
“Logo após a partida, apanharemos para nosso sustento algum pescado ou caça pelo caminho. Surubim dessalgado, codorna – ave das plantações”.
PARTIDA DA EXPEDIÇÃO
Feijão verde moqueado
Manteiga de içá
Lagarto “de boi” com conserva de milho e cambuci
“Mas nem sempre é possível encontrar o que comer nessas viagens, e muito alimento repugnante ao paladar tem de ser acolhido. Então, provaremos uma iguaria de bugres: Manteiga de Içá. Ao avançar sertão adentro já é possível fazer a colheita das roças de milho e feijão, plantada ao longo dos caminhos. Temos o Feijão verde moqueado e o Lagarto de boi curado com conserva de milho e cambuci”.
AVANÇANDO PELO SERTÃO
“Mas, agora, é hora de arranchar e cuidar da ceia. Nosso pão da terra será os mais diversos produtos do milho”.
Abóbora com carne-seca e amendoim
“A expedição ainda contará com capados e galinhas, destinados aos viajantes. O milho e sua farinha tornaram-se indispensáveis à vida andeja do paulista. Tanto é assim que Sérgio Buarque de Holanda chega mesmo a dizer que São Paulo é uma “Civilização do Milho”. O cuscuz virá acompanhado de salada de palmito Jussara”.
Embutido de porco e batata-roxa
“O milho como alimento habitual e a carne de porco preferida à de boi, segundo Capistrano de Abreu, indicam casas de paulistas”.
“O pão de cada dia era o feijão com toucinho, além da farinha de milho. O virado de feijão tornou-se o prato regional característico dos paulistas”.
“A capivara com jabuticaba e pinhão fará a ponte entre a carne de caça e as frutas nativas”.
“Só aqui temos o bastante para que os descobridores não morram de fome. Mas a intimidade com a natureza poderá desvendar os segredos de um mundo agreste”.
BAIXANDO ACAMPAMENTO
Grumixama e suas possibildades
“Nosso alimento doce virá da coleta de mel de abelha silvestre e da fruta nativa. Provaremos a sobremesa de Grumixama e suas possibilidades”.
“E não poderemos voltar para a casa sem antes experimentar uma beberagem da tradição indígena: a Jacuba, preparada com farinha de milho, desfeita em água e acrescida de rapadura”.
PRÓXIMA VIAGEM
A Era do Café
café moído na hora e coado na mesa
“Ao longo dessa jornada, descobrimos que a comida dos paulistas antigos não era só monótona – feijão com toucinho e farinha de milho – como também era muito rica – produtos de caça, pesca e coleta. Recolher a riqueza das carnes de caça, pescados, mel de abelhas silvestres, palmitos e frutas nativas poderá contribuir para a ampliação do conhecimento sobre a cozinha regional paulista. Assim, poderemos comparar entre si as diversas cozinhas regionais que compõe a mesa brasileira.
Descobrimos também que a moderna cozinha brasileira, na procura incessante do novo, busca inspiração no passado da cozinha colonial. O resgate das origens da comida caipira, entretanto, não deve ter um ar nostálgico. Mas deve saber indicar as riquezas do passado soterrado para que possa haver um compromisso do presente e do futuro em desenterrá-las. Não cair no esquecimento é tornar o tempo do passado vivo. O tempo atual é adequado para lembrar a culinária regional paulista. A cozinha paulista sempre tão confundida com a tradição mineira de forno e fogão, pode vir a esclarecer a herança de um passado comum. Afinal, a expansão geográfica dos bandeirantes pelo território resultou num lençol de comida caipira que abrangeu partes de Minas, Goiás e Mato Grosso. Muito longe de serem primas distantes que mal se conversam, a mesa mineira é antes filha da paulista. Não é só isso. A cozinha paulista, muitas vezes esquecida atrás da cozinha estrangeira dos quatro cantos do mundo, pode vir a resgatar suas raízes regionais numa cidade de gastronomia cosmopolita como São Paulo.
Caminhos & Fronteiras nos ajuda a contar a história dessa cozinha paulista antiga. Pois é tempo de lembrar…”
Tânia Biazioli, pesquisadora de comida caipira
SERVIÇO
Menu autoral do chef Jefferson Rueda – Caminhos & Fronteiras (R$220)
segue no Attimo restaurante – almoço e jantar até Fevereiro de 2014 (quando estreia novo menu autoral do chef que continua a contar a história da comida paulista a partir do café)
“É Bão reservar, senão vai ficar sem” – (11) 5054-9999
“Quer drinks ornando com os pratos? Fale com o Mâitre”