No post anterior contei sobre a nova coluna do Cuecas na Cozinha, Calcinhas na Estrada, capitaneada pelas queridas Luiza Estima e Luna Garcia. Pois bem, lá elas começaram a narrar sua viagem ao Rio Grande do Sul, a parada no Mério’s Country Bar e Restaurante e, de lambuja, conseguiram duas receitas: Guimis e Farofa de Pão da Dona Marlize Scheidt. Hoje tem comida de colono e muito carinho que elas receberam da família “dal Pont”. Sem mais delongas, fiquem com as belas fotos da Luna e o texto que provoca fome da Luiza.
“Rumo a Caxias do Sul, guiadas pelas mensagens carinhosas das calcinhas anfitriãs Maria Beatriz e Carol dal Pont, nossas amigas gastronômicas que nos aguardavam cheias de novidades, atravessamos a fronteira Santa Catarina-Rio Grande do Sul logo depois de Lages e de uma chuva fina. A chegada à região das maçãs, em Vacaria, se anuncia nas arvorezinhas típicas plantadas em carreiras sem fim ladeando a pista e no desfile das cooperativas e empresas produtoras.
Vacaria é a segunda cidade brasileira produtora de maçãs no país e sede da Rasip, do Grupo Randon, que depois de um grande sucesso empresarial na indústria de carrocerias também bomba com os produtos alimentícios, entre eles a maçã e o saboroso queijo grana padano RAR, que frequenta as melhores mesas e prateleiras do varejo em todo o Brasil e se tornou um case de sucesso agro-alimentício.
A Luna queria comer maçã no pé, mas optamos por ser mais discretas e invadir apenas uma barraca que pudesse nos vender a fruta desejada. Passamos pela banca que imaginamos ser a primeira voando as tranças, expressão tipicamente gaúcha para dar ideia de ligeireza, mas a frustração nos dominou quando, quilômetros depois, percebemos que era A ÚNICA!! Ai, ai, ai… Maçã, só no supermercado. Então, seguimos em frente até chegar, finalmente, em Caxias do Sul já tarde da noite, de novo sem bateria (o carregador de carro não funciona). Corremos para o hotel e uma tomada para ligar os fones e chamar as gringas Carol e Tiz, se não perderíamos o jantar que elas estavam preparando desde muito – acho que foram pra cozinha no dia em que pegamos a estrada…
Comida de colono!! Gente muito fina que sabe cozinhar: galeto, tortei, radicci (hortaliça de sabor amargo típica da região) com bacon e vinagre de vinho e umas coisas muuuito próprias: pien pra comer com crem (assim mesmo), sagu com molhinho de leite, crostoli, a cueca virada.
A Tiz e a Carol nos fizeram uma verdadeira festa e envolveram toda a família – a Simone e o Fabio, a Ana Lia e o Fabrício e a agregada Gabi – na nossa aventura gastronômica em busca das comidas de origem da região. Comemos na cozinha, todos reunidos, aconchegados por um carinho e alegria que nos comoveu e que, depois pudemos constatar, é tão típico do povo local quanto a boa comida e vinhos que os representam. Momento inesquecível, que se fosse traduzido em imagem bem poderia ser a Santa Ceia farta com ares mais festivos, com a Tiz ao centro, claro. A refeição se estendeu noite a dentro, regada a espumante brut da vinícola Perini – delicioso.
A apresentação dos pratos e seus significados históricos foi feita pela Tiz, professora e ex-diretora de Gastronomia na UCS (Universidade de Caxias do Sul) e no SENAC Rio de Janeiro, enquanto a Carol, nutricionista da UCS e chef de cozinha graduada no ICIF (Italian Culinary Institute for Foreigners), escola de gastronomia italiana instalada na vizinha Flores da Cunha, intervinha com detalhes e curiosidades, ora técnicas, sobre o preparo, ora muito bem humoradas, com curiosidades hilárias. O bom humor do gringo, o descendente de imigrantes italianos que se instalou na Serra Gaúcha no século XIX, é refinado a ponto de rir de si mesmo. O cartunista Iotti, legitimo representante dessa vertente, criou o engraçadíssimo personagem Radicci para alegrar osoriundi com suas tragédias cotidianas em tirinhas nos jornais.
O radicci foi o tema da entrada de nosso jantar. A salada de radicci com bacon é uma instituição na refeição colona. E também o máximo de salada com hortaliças que vamos encontrar – nada de alface, endívias e outras folhas com as quais costumamos colorir nosso prato contemporâneo.
A Tiz fez as honras com o secondo piato: o pien. No jantar, nos foi servido como acompanhamento das carnes (de frango e de boi) cozidas no próprio caldo que o prepara. Ficamos de boca aberta com a explicação e a receita, cheias de detalhes. Tudo muito complexo e com sabores desconhecidos para nós, algo entre a delicadeza e a rusticidade. O pien é, na verdade, o pescoço do frango recheado, ripieno (cheio, em italiano). Uma mistura de carnes, miúdos, pão, parmesão e temperos que recheia o pescoço do galináceo depois de retirado o osso. Um exemplo de sustentabilidade, com o aproveitamento de todas as partes das carnes disponíveis. É servido com crem, uma pasta feita com raiz forte que leva (ou não) beterraba para colorir. A Tiz dá a receita do pien.
Pien ou pescoço recheado
1 fígado e 1 coração de galinha
3 colheres de queijo parmesão ralado
1 colher de pão ralado
1 ovo
1 pitada de sal
1 pitada de noz moscada
alho, salsa e cebola picados
1 pescoço de galinha limpo ( do qual foi extraído o osso)
Picar o fígado e o coração e juntar os demais ingredientes. Rechear o pescoço com a mistura e costurar dos dois lados (fica em formato de salame). Cozinhar o pescoço em um litro de caldo de galinha, durante 30 minutos. Quando estiver fervendo, furar o pescoço com uma agulha para sair o ar. Servir em fatias acompanhado de crem.
Em seguida, o terceiro prato assumiu seu posto à mesa: tortei de abobora com ragu de moela. Que beleza! O pien nos surpreendeu e com ele vivemos a experiência de comer um prato ancestral, com toda a sua história, mas encontrar uma massa recheada coberta com suculento e caloroso molho é como achar hotel com internet (que funciona), banho quente e forte e cama de lençóis muitos-fios que nós, Calcinhas caprichosas, a-do-ra-mos!
Depois da massa, chegamos à hora da verdade, o momento para o qual nos guardamos e que inspirou nossos sonhos mais loucos desde que definimos a serra gaúcha na rota das Calcinhas: ele, o galeto! A Carol se superou – sabíamos que a guria cozinha bem, mas arrasou! O galeto já estava perfumando a cozinha desde que chegamos e saiu do forno dourado e crepitante, para nosso júbilo. Atacamos com as mãos, como deve ser, todas as partes do bichinho que não chega a completar 45 dias de vida para se entregar a nós assim, tenro e saboroso (perdão, Senhor!).
Em êxtase, fartas e briacas (Calcinhas responsáveis, fomos de táxi para o jantar), ainda faltava a dose de glicose para nos manter em pé – e vivas. O sagu e os doces ouviram nossas preces e surgiram à mesa, conduzidos pelas mãozinhas da Carol e apresentações da Tiz. Nosso primeiro sagu! Uma receita secreta da Tiz que ela confessou, sob muita pressão abaixo de Perini brut, ter encontrado no pacote de sagu da Corsetti, desaparecida fabricante das bolinhas – ou seja, a receita não existe mais. Mas Maria Beatriz é generosa e abriu o baú para nos ofertar seu segredo nunca revelado. (a receita do sagu no próximo post)
Fechamos a noite com cafezinho coado e os crostoli (bolinho frito salpicado de açúcar e canela), que ganha o nome de cueca virada por conta do formato divertido: a massa faz uma volta por dentro de si mesma, que lembra a peça masculina quando os “cuecas” chegam em casa e deixam tudo jogado…”
“Opa! Acho que isso é com a gente, meus amigos Cuecas! Senti a indireta das Calcinhas na Estrada”
Oi estou seguindo as meninas e adorando viajar com elas. Estava lendo e vi q elas encontraram alguem q faz pien……até hj so conheci minha sogra q faz este prato, e ela é Jauense (SP), descendente de italianos. Ela faz esse recheio com figado e outros miudos do frango e depois de liquidificados enche o frango e cozinha. Ela não recheia o pescoço. Acho uma delicia depois de pronto, mas não tenho estomago pra ver fazer….kkkkkkk. Boa viagem pra vcs e continuem a mandar noticias e dicas! Abraços.
Oi, Cristina, obrigada por nos acompanhar e também por contar sua história do pien. Não perca as próximas publicaçòes! Beijos das Calcinhas na Estrada
LEGAL ESSE “PROGRAMA” DE COMIDAS ANTIGAS,SOBRE AS QUAIS NÃO SÃO TODOS QUE EXPERIMENTARAM O SABOR QUE ISSO TEM. DIGO PORQUE MINHA NONAMADALENA NASCEU QUE ERA DAÍ DO RIO GRANDE TAMBÉM FAZIA MUITO PIEN,EU FIQUEI COM AQUELE SABOR INDESCRITÍVEL NA MEMÓRIA…GOSTARIA DE UM DIA PARTICIPAR DE UM ENCONTRO DESSES…SERIA MUITO LEGAL..
PARABÉNS Á VOCES POR ISSO!
NEUSA TRENTO SOFFIATTI
Adorei a viagem!
Gostaria muito que publicassem a receita do galeto gaúcho!
Bjobjo